O fortalecimento do assoalho pélvico com cones vaginais: programa de atendimento domiciliar

01/06/2010 15:56

Relato de Caso

O fortalecimento do assoalho pélvico com cones vaginais: programa de atendimento domiciliar

Strengthening of pelvic floor muscles using vaginal cones: a home care program

Daniela Zeni Dreher 1Evelise Moraes Berlezi 2Simone Zeni Strassburger 3Márcia Z. El Ammar 4

RESUMO

Objetivos: avaliar a eficiência de um programa de fisioterapia domiciliar com cones vaginais para o fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico, na resolução da incontinência urinária de esforço.

Relato do caso: foi selecionada para o estudo uma voluntária com 60 anos de idade, com história de única gestação, com parto vaginal, apresentando queixa e diagnóstico de incontinência urinária de esforço. Para avaliação pré e pós-intervenção utilizaram-se como instrumentos: anamnese, avaliação da qualidade de vida, avaliação físico-funcional e exame de urodinâmica. A intervenção fisioterapêutica foi realizada através de um protocolo de exercícios terapêuticos com cones vaginais durante oito semanas, com frequência de três vezes semanais em duas sessões diárias. Na avaliação inicial foi realizada a manobra de Valsalva com 300 ml de volume intra-vesical, ocorrendo discreta perda urinária com a pressão de perda ao esforço de 94 cmH2O, indicando incontinência urinária de esforço de grau leve. Na reavaliação não se observou perda

ABSTRACT

Aims: to evaluate the efficiency of a home care physiotherapy program using vaginal cones for the pelvic floor muscles strength to approach the treatment of stress urinary incontinence.

Case description: A female volunteer, 60 years-old, with history of a single pregnancy and vaginal delivery, presenting complaints and diagnosis of stress urinary incontinence, was selected for the study. The evaluation instruments of pre and post-intervention were anamnesis, evaluation of quality of life, semiological evaluation and urodynamics examination. It was applied a therapeutical exercise protocol using vaginal cones, three times a week, two times a day. Valsalva maneuver presenting intra-vesical volume of 300 ml was the initial evaluation. Mild urinary incontinence with Valsalva leak-point pressure of 94 cmH2O denoted a mild stress urinary incontinence. During reevaluation, urinary loss was not observed with vesical pressure, until 117 cmH2O for the same volume, showing a considerable reduction in urinary incontinence.

1 Fisioterapeuta. Mestre em Engenharia de Produção. Docente do curso de Fisioterapia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.

2 Fisioterapeuta. Doutora em Geriatria e Gerontologia Biomédica. Docente do curso de Fisioterapia da UNIJUÍ.

3 Fisioterapeuta. Mestre em Saúde da Criança. Docente do curso de Fisioterapia da UNIJUÍ.

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urinária com pressão vesical de até 117 cmH2O para o mesmo volume, expressando melhora considerável da continência urinária.

Conclusões: o programa de exercícios terapêuticos com cones vaginais a domicílio mostrou-se efetivo na resolução da incontinência urinária de esforço.

DESCRITORES: incontinênciaurináriapor es-tresse/terapia, modalidadesdefisioterapia; períneo; soalhopélvico; cinesiologiaaplicada; feminino; genitália feminina.

Conclusions: A home care program of therapeutical exercises using vaginal cones presented positive results on the stress urinary incontinence treatment.

KEY WORDS: Urinary Incontinence, Stress/ therapy; physical therapy modalities; perineum; pelvic floor; kinesiology, applied; female; genitalia, female.

INTRODUÇÃO

Segundo a International Continence Society a incontinência urinária de esforço (IUE) é a perda urinária involuntária que ocorre após exercício físico, tosse ou espirro.1 Aliteratura relata que cerca de 15% a 30% da população feminina, independentemente da sua idade, podem apre-sentar IUE aos pequenos, medianos e grandes esforços.2 Esta realidade afeta, sem dúvida, a vida social, ocupacional e sexual dos pacientes acometidos.

Nas décadas de 1960 e 1970 foi dada grande ênfase para cirurgias como tratamento de escolha para a incontinência urinária. Mais recentemente, os urologistas e ginecologistas têm mostrado grande interesse nas terapias conservadoras, estimulando pesquisas na área da fisioterapia, aperfeiçoando os recursos disponíveis e introduzindo novas técnicas que visam uma abordagem menos invasiva, com menor ônus, reduzindo o número de cirurgias e proporcionando melhor qualidade de vida às pacientes.3

Assim, a cirurgia não tem sido a primeira opção de tratamento. Para sua indicação devem ser considerados os benefícios e riscos pós-cirúrgicos, os quais também devem ser de conhecimento das mulheres que irão se submeter ao procedimento. Técnicas de reeducação, direcionadas às incontinências leves ou moderadas, são indicadas para quaisquer idade ou antecedentes obstétricos/cirúrgicos. Essa conduta está respaldada pelo Consenso sobre a Incontinência urinária do National Institute for Health and Clinical Excellence de 2006, que indica que, como regra geral, deveria ser usado em primeiro lugar um procedimento menos invasivo e de menor risco, como a fisioterapia.4,5

O tratamento conservador deve ser indicado tanto para pacientes com idade avançada, quanto naquelas em período reprodutivo, ou ainda, para as que já foram submetidas a tratamento cirúrgico prévio sem sucesso, uma vez que a cirurgia perineal apresenta risco de causar uma intensa dispareunia.3,6. Na questão da saúde propriamente dita a sexualidade desempenha uma função vital para ambos os sexos, tanto que a Organização Mundial da Saúde estipula que a felicidade sexual é uma condição inseparável da questão da saúde, pois a falta de prazer pode desencadear múltiplos problemas como tensão, mau humor, depressão, insônia, entre outros.7

Entre as modalidades de tratamento dafisioterapia para a IUE, encontram-se a eletro-estimulação perineal, o biofeedback e a cine-sioterapia, que engloba a terapia comporta-mental, o uso de cones vaginais e o fortalecimento manual. Acinesioterapia com os cones vaginais é um tratamento efetivo para a disfunção da musculatura do assoalho pélvico, sendo inclusive imprescindível no pré e pós-operatório de cirurgias do períneo, uma vez que o insucesso cirúrgico pode estar relacionado a esta condição.8

O fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico (MAP) traz vários benefícios para as pacientes, com a possibilidade de garantir a diminuição ou ausência da perda de urina. Dentre os tratamentos indicados para IUE, o fortalecimento dos MAP através de exercícios cinesioterapêuticos com utilização de cones vaginais é uma opção pouco invasiva e de baixo custo. Essa técnica terapêutica permite o recrutamento das fibras musculares dos tipos Ie II, além de melhorar a propriocepção das pacientes, contribuindo para contrações mais eficazes.8

Amusculatura do assoalho pélvico é constituída por dois tipos de fibras: as fibras tipo I, de contração lenta cujas células são ricas em mitocôndrias e resistentes à fadiga, portanto, importantes na manutenção da continência ao repouso, e as fibras tipo II, de contração rápida, caracterizando-se por alta concentração de Scientia Medica, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 43-49, jan./mar. 2009 45 O fortalecimento do assoalho pélvico com cones ... Dreher DZ et al.

glicogênio e fadiga rápida, permitindo, assim, uma resposta imediata a mudanças súbitas de pressão. Os cones vaginais promovem uma atividade contrátil muscular mais específica e eficaz, pois para que a paciente possa mantê-los na vagina necessita de contração dos MAP.8-11

Esta pesquisa buscou contribuir com conhe-cimentos já constituídos sobre a efetividade dos exercícios terapêuticos com cones vaginais no manejo da IUEem pacientes com indicações para essa terapia, porém na perspectiva de um atendimento domiciliar supervisionado.

RELATO DO CASO

Para participar do estudo, foi selecionada uma voluntária entre as pacientes encaminhadas à clínica de fisioterapia da Unijuí, que atendesse aos seguintes pré-requisitos: evidências clínicas e comprovação diagnóstica de IUEe ausência de infecção urinária. Não poderia participar do estudo paciente com déficit de cognição, comprometimento neurológico ou fazendo uso de fármacos que poderiam estar causando temporariamente a perda de urina. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unijuí e a paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O protocolo de pesquisa previu uma avalia-ção inicial, um programa de oito semanas de intervenção e uma reavaliação. Para o processo de avaliação utilizou-se entrevista semi-estrutura-da que abordou a história pregressa, os sintomas desencadeantes da perda de urina, a rotina de ingestão de líquidos e hábitos intestinais; avaliação física que realizou as medidas de peso e altura para a determinação do índice de massa corporal,12 Escala Análoga Visual13,14 para verificar a gravidade dos sintomas de incontinência urinária e os reflexos na qualidade de vida da paciente; e exame de urodinâmica15,16 para avaliar as funções de armazenamento e esva-ziamento vesical e a atividade do complexo esfincteriano uretral, realizado por um médico urologista.

A Paciente E.O., com 60 anos, apresentava queixa de perda de urina há mais de 20 anos. Referia, ainda, que após o nascimento de seu único filho (com o auxílio de fórceps, via vaginal), começou a apresentar perda urinária em pequeno volume, esporadicamente, aos esforços físicos. Já no climatério, há cinco anos, a perda urinária ficou mais acentuada e ocorrendo em pequenos esforços e/ou outras situações corriqueiras tais como tossir, subir escadas, rir, erguer peso e até na relação sexual.

Na avaliação física apresentou índice de massa corporal de 33,33 kg/m² que representa obesidade grau I. O resultado inicial da Escala Análoga Visual foi 5, configurando o prejuízo que a IUEtraz à paciente. No exame de urodinâmica na pré-avaliação, a paciente apresentou IUEleve, consequente a hipermobilidade uretral. Nesta primeira avaliação, foi realizado a manobra de Valsalva com 300 ml de volume intra-vesical, ocorrendo discreta perda urinária com a pressão de perda ao esforço de 94 cmH2O.

O tratamento foi realizado através da cinesioterapia, utilizando um kit de cones vaginais da marca Womb Therapy. O protocolo de exercícios foi realizado no domicílio da paciente três vezes na semana, duas vezes ao dia, e foi realizada uma visita semanal para orientar os exercícios. Para a conscientização da paciente em relação à musculatura do assoalho pélvico, uma aula explicativa com folhetos, mapa anatômico e cartazes foram realizados na primeira sessão.

O protocolo de exercícios com o uso de cones foi elaborado com base em fundamentos propos-tos por Haddad8 prevendo a execução dos exercí-cios em duas fases: passiva e ativa. Fase passiva: a determinação do peso do cone é feita através de um teste em que a paciente introduz na vagina, em posição ortostática, o cone de maior peso, que resulte em uma sensação de perda do dispositivo, sem que ocorra a sua exteriorização, na ausência da contração voluntária dos MAP. O ápice do cone deve estar voltado para baixo, em direção ao assoalho pélvico. Para a identificação desse cone é introduzido o dispositivo de número 1, no caso de não haver sensação de perda do mesmo, passa-se para o de número 2 e assim sucessivamente. Aseguir, solicita-se que a paciente deambule, não contraindo os MAP por um período de 1 minuto. Desta forma é estabelecido o peso inicial do cone vaginal para o tratamento.8

Durante a primeira semana foram realizados exercícios com cones vaginais de forma passiva, ou seja: a paciente introduziu um cone determinado pelo teste acima, pela cavidade vaginal e permaneceu em pé (ortostatismo), sem deixar o mesmo cair, durante 15 minutos, uma vez no turno da manhã e outra no turno da tarde, 3 vezes na semana. A cada semana foi realizado um novo teste para determinar se mudaria o cone ou se esse permaneceria o mesmo.

Fase ativa: a fase ativa inicia-se com o cone de maior peso que a paciente for capaz de reter na 46 Scientia Medica, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 43-49, jan./mar. 2009 O fortalecimento do assoalho pélvico com cones ... Dreher DZ et al.

vagina por um período de 1 minuto com contração voluntária dos MAP em posição ortostática. Para identificação deste dispositivo, denominado de cone ativo, a paciente inicia introduzindo o peso imediatamente maior do que o utilizado na fase passiva. Caso for capaz de mantê-lo na vagina passa para o dispositivo de peso subsequente e assim sucessivamente. Quando um determinado cone se exterioriza pela vagina, a paciente deve iniciar esta fase com o cone anterior. Se a paciente termina a fase passiva com o cone de número cinco, deve iniciar a ativa com este mesmo dispositivo.8

Da segunda à sexta semana, orientou-se a realização de contrações do assoalho pélvico com o recurso dos cones vaginais de acordo com a seguinte conduta: 5 segundos de contração e 5 segundos de relaxamento; 12 repetições em 3 séries, 2 vezes ao dia, 3 vezes por semana. Na sétima e oitava semanas manteve-se a mesma conduta, acrescentando exercício de subir e descer escadas (8 degraus) por 4 vezes, 2 vezes ao dia, 3 vezes por semana, mantendo o cone na cavidade vaginal.

Sempre antes de modificar o tratamento realizou-se uma explicação e treinamento da nova rotina de exercícios. Para além do treinamento, esses encontros semanais tiveram como propósitos supervisionar o andamento do protocolo proposto, verificar a adaptação da paciente ao uso dos cones, identificar o peso a ser utilizado na nova fase e manter vínculos de forma a motivar a adesão ao tratamento. Após 8 semanas os resultados foram analisados através de uma comparação simples dos resultados pelas respostas pré e pós-intervenção fisioterapêutica e avaliação urodinâmica.

Na reavaliação do exame de urodinâmica, após o tratamento, não se observou perda urinária com pressão de perda ao esforço de até 117 cmH2O para o mesmo volume intra-vesical. Quanto à fluxometria, ao ser solicitada a urinar, o fluxo e a pressão foram normais, sem resíduos significativos, tanto na avaliação quanto na reavaliação. O resultado final na aplicação da Escala Análoga Visual foi 10.

Os cones vaginais foram utilizados com facilidade pela paciente, porém observou-se que da quarta para a quinta semana e da sexta para a sétima não foi possível realizar aumento de carga. No decorrer do tratamento, a paciente relatou “estar curada”, pois constatou não ocorrer mais perda de urina nas situações relatadas por ela anteriormente.

DISCUSSÃO

O conjunto dos resultados obtidos mostrou que E.O. esteve durante a sua vida exposta a vá-rios fatores transitórios e definitivos que predis-põem a IUE, como a gestação, parto, obesidade, menopausa e idade. Arelação da gestação com a IUEestá no aumento da tensão sobre a musculatura do assoalho pélvico, que causa um rebaixamento de 2,5 cm no períneo ao final da gestação. Durante o parto normal pode ocorrer estiramento e ruptura das fibras musculares do períneo, deslocando a bexiga e a uretra de suas posições normais e causando incontinência.17,18,19 Os efeitos traumáticos do parto transpélvico e a atrofia tecidual, que ocorre após a menopausa, acarretam disfunção dos MAP, que habitualmente não é valorizada no exame uroginecológico, apesar de se constituir em um dos principais fatores etiopatogênicos da IUE.8,20,21

Outro fator relacionado à incontinência é a obesidade. Em mulheres obesas acontece o acúmulo de gordura no interior do abdômen, provocando aumento da pressão intra-abdominal, que é transmitida à bexiga. Ainda, após a menopausa, a produção de estrogênio diminui e, em algumas mulheres, o tecido uretral torna-se mais frágil e sujeito a lesões e infecções. O aumento da idade também é um fator de risco para a incontinência urinária, uma vez que está relacionado à diminuição da força e da massa muscular. Estudos têm demonstrado que a fibra muscular atinge o seu tamanho máximo na terceira ou quarta década de vida e depois diminui gradativamente.18

Após a intervenção observou-se uma significativa melhora na qualidade de vida. Sabe-se que esta é relacionada à conscientização da pessoa sobre sua situação ou doença e posterior tratamento. A incontinência urinária repercute na qualidade de vida, no que diz respeito ao trabalho e à vida social, acarretando perdas funcionais, psicossociais e emocionais e levando essas mulheres a isolamento social e mudança nos hábitos de vestimenta e da vida diária, como forma de evitar situações constrangedoras. 22

A literatura acerca da urodinâmica ressalta que a IUE ocorre devido à transmissão desigual da pressão intra-abdominal durante os esforços para a bexiga e uretra, de forma que a pressão vesical torna-se maior que a pressão uretral, ocasionando a perda da urina.23 Tal fato acontece devido à hipermobilidade do colo vesical e da uretra proximal, que decorre do relaxamento do assoalho Scientia Medica, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 43-49, jan./mar. 2009 47 O fortalecimento do assoalho pélvico com cones ... Dreher DZ et al. pélvico. No exame de urodinâmica, para o mesmo volume vesical da avaliação, os resultados finais expressaram melhora considerável e continência urinária. Mesmo com o aumento da pressão de perda ao esforço ao máximo que paciente podia gerar com a manobra de Valsalva, não houve perda de urina.

No programa de exercícios terapêuticos com cones vaginais observou-se que a metodologia empregada de visitas domiciliares teve papel determinante no sucesso do tratamento proposto. Através do programa, foi possível efetivar o protocolo com progressão da carga ou manutenção desta de acordo com os resultados semanais, respeitando-se assim os princípios fisiológicos de um treinamento.

Neste estudo destaca-se o princípio da sobrecarga, que se refere à observação de que um sistema ou tecido deve ser exercitado ao nível além do qual está acostumado para que ocorra o efeito do treinamento. Éimportante lembrar que após um certo período, o exercício deixa de promover progressos no ganho muscular, sendo sempre necessário modificar o estímulo.24,25,26

Observou-se que em algumas semanas do tratamento não foi possível aumentar a carga do cone, pois o peso utilizado na semana anterior estava adequado para aquele momento e a musculatura ainda não estava preparada para uma nova sobrecarga, situação que teria sido negligenciada sem supervisão semanal. Acredita-se que neste sentido o tratamento foi adequado quanto ao peso do cone, pois os testes realizados indicaram qual a carga a ser utilizada. Os cones vaginais melhoram os resultados dos exercícios perineais não só pelo aumento da carga (peso), mas também aumentando a motivação. O principio é o mesmo utilizado pelos halterofilistas para aumentar a massa muscular, ou seja, trabalhar progressivamente um grupo muscular aumentando a carga usada.27

Muitos autores preconizam o uso de cones vaginais somente na fase passiva. Neste estudo idealizou-se a utilização em duas fases distintas, passiva e ativa, para obter recrutamento distinto das fibras do tipo Ie II. Na fase passiva, há um maior recrutamento das fibras musculares do tipo I, pois o cone estimula contrações musculares por tempo prolongado, além de estimular as fibras musculares do tipo “IIa” a se adaptarem com características fisiológicas semelhantes às do tipo I. Na fase ativa, mesmo com o tempo de repouso igual ao da contração, há um maior recrutamento das fibras musculares do tipo IIem relação à fase passiva.24 A atrofia muscular é específica para cada fibra, predominando nos músculos que contém maior quantidade de fibras tipo II. Relata-se que há diminuição linear da proporção de fibras tipo II e que este efeito pode ser prevenido através de exercícios 18. Com este pressuposto, justifica-se a escolha de realizar apenas uma semana na fase passiva, visto que as fibras do tipo IIcaracterizam-se por dar uma resposta imediata a mudanças súbitas de pressão, sendo, portanto, responsáveis por manter a continência nestas situações.28

A duração desta modalidade terapêutica ainda não apresenta um consenso. Agrande maioria dos autores recomenda de 4 a 8 semanas e outros de 3 a 6 meses.8 Neste estudo o tratamento foi efetivado com sucesso em 8 semanas.

Alguns autores demonstraram que o esfíncter uretral interno se contrai ao mesmo tempo em que ocorre a contração voluntária dos MAP, mas outros29 demonstraram aumento da pressão uretral durante a contração correta. Em nossa paciente, a contração voluntária dos MAP antes do aumento da pressão intra-abdominal, como a causada pela tosse, reduziu a perda de urina em 73% em média, depois de apenas uma semana de treinamento. Entretanto, nenhuma pessoa continente pensa antes de realizar a contração dos MAP. Quando necessário, esses músculos se contraem automaticamente, da mesma forma como, ao subir uma escada, não pensamos na contração do músculo vasto medial e ninguém se dá conta dos MAP quando está correndo, dançando ou andando por um período de tempo mais longo.30

Jonasson et al.31 compararam o método de exercícios preconizado por Kegel em 1948 com cones vaginais para melhora da função do assoalho pélvico, em pacientes com IUE, e constataram que 36% das mulheres que utilizaram os exercícios de Kegel não aumentaram o peso do cone passivo, enquanto que todas as que utilizaram os dispositivos vaginais foram capazes de manter passivamente na vagina cones de maior peso. O emprego dos cones vaginais, além de possibilitar contração adequada dos MAP, fornece à paciente uma indicação objetiva do progresso alcançado, motivando-a a persistir com a terapêutica.8

No caso aqui descrito, a terapia com cones vaginais, como recurso fisioterapêutico, mostrou-se um método eficaz num período de tempo relativamente curto. Foi possível comprovar, através da urodinâmica e do relato da paciente, um resultado clínico satisfatório. Outro aspecto de relevância foi a utilização desta terapêutica no 48 Scientia Medica, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 43-49, jan./mar. 2009 O fortalecimento do assoalho pélvico com cones ... Dreher DZ et al. ambiente domiciliar. O sucesso clínico obtido com a proposta de acompanhamento e reavaliação semanal possibilitou uma conduta voltada às necessidades da paciente, considerando os princípios de treinamento.

Tendo em vista a comprovação dos benefí-cios da cinesioterapia com cones vaginais no fortalecimento do assoalho pélvico, enfatiza-sea importância de disponibilizar esses recursos para um maior número de mulheres que estão sob a condição de incontinentes. O atendimento domiciliar, nesta perspectiva, além de pro-porcionar a atenção num ambiente que lhe é peculiar, permite que a mulher se exercite mais de uma vez ao dia e mantenha uma rotina regular de exercícios, prevenindo a recidiva.

Tratando-se de um estudo de caso, os resultados não podem ser inferidos para toda a população, sugerindo-se que sejam realizadas outras pesquisas. Ainda, o aspecto qualidade de vida em mulheres com incontinência urinária merece estudos mais aprofundados, que utilizem questionários validados e estatisticamente aceitos, entendendo-se que a avaliação da qualidade de vida neste estudo apresentou limitações.

Cada situação clínica deve ser vista de forma individualizada e, portanto, o fisioterapeuta deve avaliar a conduta a ser eleita respeitando-se as particularidades de cada caso, pois há uma vasta gama de recursos fisioterapêuticos na área da uroginecologia. Mas, sem dúvida, estes resultados mostram que um programa de atenção domiciliar de cinesioterapia com cones vaginais, no manejo da incontinência urinária de esforço, é factível, resolutivo e de baixo custo, quando aplicado por um profissional habilitado e conhecedor desta técnica reabilitativa.

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